quarta-feira, 31 de março de 2010

VIAGEM

Evan Bessa



De olhos bem abertos me pego a observar, através da janela do carro que viajo, trilhas, veredas e caminhos os quais minha memória afetiva se recorda tão bem. Ao longo da estrada, vejo a vegetação esplendorosa cobrindo montes e vales como se um tapete de veludo tivesse sido estendido para que eu pudesse admirar ao retornar a terra natal. O céu estava coberto por nuvens escuras, anunciando que, logo, logo, a chuva cairia em abundância. Serras, serrotes e vales aguardavam adormecidos o banho da chuva que lavaria às suas entranhas, permitindo assim, que uma fragrância fluísse no ar, e exalasse o perfume próprio das matas. As sensações iam surgindo, pouco a pouco, com o cheiro da mata verde e o espelho de água límpida que ia aparecendo, lá embaixo das pontes que atravessava, durante todo o percurso. Despertava minha memória olfativa térmica e, porque não dizer, até mesmo, sabor da água corrente e fresca dos banhos de rio ou cachoeira, experimentados na infância.

Tentei fechar os olhos para que as sensações não fossem tão concretas, mas foi tudo em vão. Cada quilômetro percorrido o coração reclamava da saudade e saltava da mente lembranças em turbilhão, chegando a congestionar imagens e passagens significativas. O tempo, oh! O tempo! Este teima em prosseguir na sua corrida cartesiana sem deixar contornos ou reviravoltas repentinas. Intimamente, ele recua para reviver emoções, coçando a imaginação, como a persistir que o aqui e o agora, daqui a pouco serão passados. A brisa e um vento leve batem no vidro do carro, um frescor escorre na minha face e banha de gotas as lembranças da meninice vivida a correr pelos campos, atrás da passarada e dos animais que faziam fileiras para atravessar a porteira do curral. E aí, as gotas se transformam em chuva de fatos vividos. Recordo o leite mugido tomado na porteira do curral, entregue, carinhosamente, pelas as mãos do ordenhador. Ah! Como sinto agora o sabor e a quentura do líquido milagroso, no copo de alumínio, a roçar meus lábios. O pensamento voa, muito além, da velocidade que o veículo consegue desenvolver.

Tento racionalizar, colocar a razão à frente do objetivo que me faz estar ali, naquele momento, retornando àquela cidade. Algum minuto, paro e penso. Delineio uma agenda gravada na mente, para executar após a chegada ao meu destino, em poucas horas.

Escuto conversas dentro do carro que não me interessam... Em pouco mais de meia hora chegarei.
A estrada parece agora uma esteira rolante na qual trafegam o carro e meus pensamentos. Dou asas à imaginação, e aí vôo mais longe: a casa dos meus avós paternos. Vislumbro um passado remoto pontuado de alegrias prazerosas, impossíveis de serem esquecidas.

O carro pára... Eu absorta em pensamentos volto à realidade. Tenho pouco tempo para cumprir a tal agenda repassada anteriormente. Desço do veículo e passo a agir dentro do roteiro previsto. Não há mais tempo para devaneios, lembranças. O presente, o aqui e o agora me chamam à ação... A viagem termina e com ela as lembranças de um tempo que não volta mais.

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