terça-feira, 19 de maio de 2009

Olhar e Olhares

Evan Bessa


Tenho observado ao longo da vida as várias formas de um olhar. Esse misterioso olhar que fala através do silêncio, comunica e vai ao fundo da alma. Nem sempre sincero, mas com uma carga de energia que transmite o que vem do próprio ego. Algumas vezes, mais poderosos que outros.

Quem tem o poder magistral no olhar diante do ser humano, com tanta persistência, tornando-o quase enigmático?

Com certeza, Deus concedeu às mães essa habilidade e maestria! Criatura meio fada, guerreira, ousada,sensível, desprendida e de coração sempre cheio de Amor. Não podia ser outra. Solícita na maioria das vezes, pois para cada filho está sempre disponível: com ternura, carinho, dedicação, enfim, de coração aberto. Esquece, muitas vezes, de si mesma, para se dedicar plenamente às necessidades do filho.

Onde reside a sensibidade, a singeleza, a complacência do amor maternal? Será que, ao ser criada, Deus pôs um “chip” especial para lhe conceder esses privilégios? Pois todas elas são assim... Talvez uma ou outra tenha saido com um defeito técnico, quem sabe? Mas, o olhar de uma mãe para um filho supera os olhares de todos os viventes.

Você já a viu diante do berço de um filho? Que paz e serenidade ela transmite à criança e, com seu sorriso meio maroto nos lábios, exprime a carga de amor e emoção que está sentindo.

O milagre da vida diante dos seus olhos, nos seus braços, a faz convicta de sua verdadeira missão. E, a cada etapa, acompanha com a paciência, como quem coloca no jarro a semente, rega-a diariamente, para vê-la crescer e florescer. E como é coruja pelas façanhas que presencia diante do rebento! As descobertas, os progressos cotidianos, a deixam orgulhosa e plena de sua maternidade.

O olhar protetor de uma mãe para o filho parece saber das vicissitudes dos gestos, pensamentos, sentimentos, os quais se passam naquele instante com sua cria. Percebe o sentimento dele, sofre com sua dor e explode de doação frente aos problemas que porventura surjam, porque está sempre pronta para minorar o sofrimento que o aflige, seja ele uma criança, um adolescente ou um adulto. É a psicóloga nata, a médica capaz de curar dores incuráveis escondidas no mais íntimo do ser. Entende todas as mazelas e procura curá-las pelo exercício do amor. Ah! A mulher que é Mãe tem a sua singularidade, parece até ser diferente das outras mulheres que não optaram pela maternidade.

Toda mãe vive prenhe de fertilidade, seja física ou biológica, mas, sobretudo, fecunda das mesuras do amor maternal. Quem duvida do que seria capaz uma mãe para salvar sua prole? Ningúem. Não há limites. Deus a destinou para a missão mais sublime de dar sempre Amor, sem nada pedir em troca. E, nesse ato contínuo de abnegação, elas são as estrelas que regem o universo familiar.
O INVERNO NO SERTÃO

Evan Bessa



A manhã chuvosa traz um ar de melancolia dentro de mim e fico a pensar. Observo pela vidraça a cortina d’água que desce incessante cobrindo a terra de um aguaceiro tamanho, que escorre em valas, trilhas e ruas esburacadas. Nós, da cidade, ficamos acuados diante da chuva forte e renitente.

Para o nordestino, a chuva representa uma benção dos céus... As matas florescem e o verde aparece em vários tonalidades. Os açudes enchem, transbordam trazendo alegria a tanta gente do interior do Ceará. Época de fartura do milho, do feijão e mesa farta para o pequeno agricultor. As casas localizadas nos mais recônditos lugares, se destacam com montanhas de espigas e de grãos nos alpendres, que vão garantir um ano sem fome e sem maiores preocupações.

Lembro-me, quando criança, que, no sertão, em pleno inverno, se ouvia o canto dos pássaros com mais nitidez. Revoadas de aves que passeavam pelo horizonte com os seus belos trinados e gorgeios. Os animais pastavam silenciosos ou se escondiam debaixo de árvores ou galpões para se protegerem do frio. As boiadas, no final da tarde, atravessavam os pátios e caminhos tortuosos em meio da água corrente e seguiam rumo às fazendas, em busca dos currais para se alojarem. O tempo, nessa quadra invernosa, parecia arrastar-se na lentidão constante dos passos da boiada. O homem do campo seguia o mesmo compasso, no ritmo da manada, como se estivesse em estado de graças.

Realmente, Deus havia se lembrado do sertão árido, seco, com paisagens esturricadas, sem viço, sem água e alimento. O sertanejo, sempre marcado pelas dificuldades de uma vida sacrificada, vive preso ao que lhe resta: a Esperança... E este ano, esta esperança não o abandonou e a fé no Todo Poderoso não o decepcionou. A prova está diante dos seus olhos, que em determinadas horas lacrimejam de felicidade, confundindo-se com os espelhos d’água dos açudes sangrando terra abaixo.

Ao homem interiorano, nesse momento, na sua labuta diária, nada o faz infeliz, porque São Pedro abriu as torneiras do céu. Isso é o que lhe bastava. Não há outra coisa a almejar senão a de obter uma safra abundante, ver o roçado verde, pronto para a colheita e a família feliz por ter assegurado o sustento por mais um ano. O cenário passou a ser outro, de prosperidade... E a vida toma um novo sentido.

Patativa do Assaré, o poeta matuto, dizia em seus versos: “Chegando o tempo do inverno,/Tudo é amoroso e terno,/Sentindo do Pai Eterno/Sua bondade sem fim./O nosso sertão amado,/Fica logo transformado/No mais bonito jardim.” ( A Festa da Natureza).

Nesses versos pode-se observar todo o sentimento do sertanejo Patativa e de todos os outros nordestinos, que ele tão bem representou na sua trajetória aqui na terra.


Abril/2009

sábado, 2 de maio de 2009

Saudade

SAUDADE

Evan Bessa


Como esquecer-te se a saudade
Teima em maltratar meu ser?
Já não sei mais amar nessa idade
E o destino, não me fez te merecer.


Por isso, a saudade não sai de mim
Vivo a mercê dessa ilusão passada.
Espero que um dia chegue ao fim
A herança dessa paixão malograda...


Saudade, lembrança renitente,
Que acorda uma dor adormecida,
Imprime, feito registro, na mente,
Como carimbo marcando uma vida.


Não posso detê-la, mesmo querendo,
Porque ela não me deixa facilmente.
Depois de tatuada, só morrendo,
Ou, conviver com ela, sofrendo inultilmente.


Fev./2009

Marés Revoltas

MARÉS REVOLTAS


Evan Bessa


Tarde chuvosa de céu cinzento
E a mania de resgatar momentos:
Sonhados, vividos, passados, intensos.
Em ritmo de saudades, esmagados.


Ilusão, magia da loucura insana,
Que traz de volta a dor, a mágoa
Na face desbotada que engana
E se transforma em rio d’água.


Mar de tristeza e desespero no ar
Vai se fundindo qual marés revoltas,
Que vão e vêm, sem mesmo alarmar
Em ondas gigantes, alvas e explicítas.