terça-feira, 19 de maio de 2009

O INVERNO NO SERTÃO

Evan Bessa



A manhã chuvosa traz um ar de melancolia dentro de mim e fico a pensar. Observo pela vidraça a cortina d’água que desce incessante cobrindo a terra de um aguaceiro tamanho, que escorre em valas, trilhas e ruas esburacadas. Nós, da cidade, ficamos acuados diante da chuva forte e renitente.

Para o nordestino, a chuva representa uma benção dos céus... As matas florescem e o verde aparece em vários tonalidades. Os açudes enchem, transbordam trazendo alegria a tanta gente do interior do Ceará. Época de fartura do milho, do feijão e mesa farta para o pequeno agricultor. As casas localizadas nos mais recônditos lugares, se destacam com montanhas de espigas e de grãos nos alpendres, que vão garantir um ano sem fome e sem maiores preocupações.

Lembro-me, quando criança, que, no sertão, em pleno inverno, se ouvia o canto dos pássaros com mais nitidez. Revoadas de aves que passeavam pelo horizonte com os seus belos trinados e gorgeios. Os animais pastavam silenciosos ou se escondiam debaixo de árvores ou galpões para se protegerem do frio. As boiadas, no final da tarde, atravessavam os pátios e caminhos tortuosos em meio da água corrente e seguiam rumo às fazendas, em busca dos currais para se alojarem. O tempo, nessa quadra invernosa, parecia arrastar-se na lentidão constante dos passos da boiada. O homem do campo seguia o mesmo compasso, no ritmo da manada, como se estivesse em estado de graças.

Realmente, Deus havia se lembrado do sertão árido, seco, com paisagens esturricadas, sem viço, sem água e alimento. O sertanejo, sempre marcado pelas dificuldades de uma vida sacrificada, vive preso ao que lhe resta: a Esperança... E este ano, esta esperança não o abandonou e a fé no Todo Poderoso não o decepcionou. A prova está diante dos seus olhos, que em determinadas horas lacrimejam de felicidade, confundindo-se com os espelhos d’água dos açudes sangrando terra abaixo.

Ao homem interiorano, nesse momento, na sua labuta diária, nada o faz infeliz, porque São Pedro abriu as torneiras do céu. Isso é o que lhe bastava. Não há outra coisa a almejar senão a de obter uma safra abundante, ver o roçado verde, pronto para a colheita e a família feliz por ter assegurado o sustento por mais um ano. O cenário passou a ser outro, de prosperidade... E a vida toma um novo sentido.

Patativa do Assaré, o poeta matuto, dizia em seus versos: “Chegando o tempo do inverno,/Tudo é amoroso e terno,/Sentindo do Pai Eterno/Sua bondade sem fim./O nosso sertão amado,/Fica logo transformado/No mais bonito jardim.” ( A Festa da Natureza).

Nesses versos pode-se observar todo o sentimento do sertanejo Patativa e de todos os outros nordestinos, que ele tão bem representou na sua trajetória aqui na terra.


Abril/2009

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