domingo, 29 de abril de 2012

A DOR QUE RESISTE

Relendo alguns apontamentos que costumo registrar, deparei-me com o pensamento de um grande escritor: “Por muito tempo achei que a ausência é falta. Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim”... (Drummond de Andrade). Parei para refletir e analisar essa afirmação e senti que tem tudo a ver com as lembranças do dia de hoje.
Nessa data, há 23 anos, perdia meu pai. A dor, ainda, resiste e insiste em permanecer no meu coração. Apesar de mais de duas décadas, a saudade continua machucando, alojada de forma persistente em mim. Fazendo uma analogia com a citação anterior, posso afirmar, categoricamente, que essa ausência paterna está e vive em mim. O tempo passou, mas não consigo retirar da lembrança a pessoa querida que um dia foi importante na minha vida. Principalmente ele, que foi referência como homem, pai amoroso, exemplo de dignidade para a família.
Recordo sua figura franzina, tão frágil com o peso da enfermidade! Esta debilidade que foi se acentuando a cada dia e lhe tirando, pouco a pouco, de nosso convívio. Em cinco anos de doença carregou a sua cruz até o momento final. Família nenhuma passa impune diante de tanto sofrimento. Por mais que se tenha fé e crença na vida eterna é difícil aceitar a partida de um ente muito amado.
O passado não reconhece o seu lugar; está sempre presente - dizia o poeta Mário Quintana. Na verdade parece contradição, porque a ausência física do meu pai se faz presença constante na minha caminhada diária. Nada pode preencher o vazio que ele deixou. Haverá sempre uma lacuna, um espaço, que nunca será substituído por ninguém.
Quando chega o mês de abril, não consigo deixar de relembrar os momentos mais dolorosos que passei na ocasião de sua passagem. Nenhum bálsamo foi capaz de cicatrizar as feridas que ficaram à flor da pele e que, a cada ano, sangram e ardem com muita insistência, no corpo, na alma e na minha memória afetiva..
Para concluir, recorro ao que disse um autor desconhecido: “O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é tão grande para nos fazer esquecer pessoas que por algum motivo, um dia nos fizeram felizes”. Concordo plenamente com a afirmação.
DIMENSÕES DO OLHAR

Há muito anoiteceu! Olho para o céu e vejo um lindo bordado de estrelas, derramando fios prateados sobre a terra. A lua, neste momento, se esconde por trás das nuvens que dançam num ritmo frenético. Fixo meu olhar no alto e o que vejo me faz admirar ainda mais a beleza do Criador. Hipnotizada por alguns instantes, recordo que na infância só enxergava as figuras que eram formadas pelas nuvens. Ora contava como carneirinhos, ora eram monstros imensos que deslizavam no firmamento. Sonhava poder pegá-los para brincar e correr, na minha ingenuidade de criança.
Percebo que com o tempo a gente passa a olhar o que nos rodeia de maneira diferente. Existem várias formas de direcionar um olhar. E isso só ocorre pelo acúmulo das experiências vivenciadas. Durante a caminhada que se percorre ao longo da vida, o olhar vai tomando dimensões variadas.
Há pessoas que tem mais sensibilidade que outras. Visualizam determinadas coisas com toda a subjetividade, lirismo e romantismo que lhe são peculiares. Enquanto determinadas criaturas não percebem ou dão pouca importância ao que vêem ou enxergam. Tudo passa quase despercebido por sua ótica. São objetivas, racionais e enxergam sem nuances das cores. É o preto e branco e ponto final. São incapazes de verter um olhar mais complacente, diante de uma criança, de um quadro, de rir ou chorar, ao assistir um filme cômico ou dramático.
Educar o olhar nos dias de hoje é uma necessidade. Aprende-se a exercitar os sentidos a fim de enxergar melhor o que se apresenta diante de nós. Esse olhar é, antes de tudo, sensorial. À medida que você vê, toca, escuta o seu coração, sente o gosto da emoção que invade a alma e passa a ter a sensação do odor que toma conta do ambiente em que você se encontra, aí sim, o seu olhar está invadindo um campo até então desconhecido.
Para mim, nada nesta vida tem mais valor que a capacidade de olhar verdadeiramente o objeto ou sujeito, de forma a perceber o mistério e a beleza que se escondem por trás das aparências.

terça-feira, 10 de abril de 2012

GAVETAS DA ALMA

O telefone toca. Do outro lado da linha uma voz rouca fala palavras desconexas as quais não consigo entender. Repito várias vezes alô, alô, indago sua identidade e não tenho retorno. A ligação cai e, por um momento, fico aguardando outra chamada, mas nada acontece. Penso que deve ser algum desocupado tentando preencher seu tempo com algo irritante...
Volto as minhas atividades cotidianas e o telefone continua mudo, enquanto o silêncio invade a casa. Passo a imaginar como o silêncio é importante em determinadas horas. Através dele, posso fazer um mergulho no meu interior e começar a dialogar comigo mesma. Abro as gavetas da alma e revisito todas. Retiro os resíduos, limpo tudo e volto a fechá-las. Em cada uma delas estão guardadas lembranças, sonhos, ilusões, fantasias, utopias. Abro-as novamente com cuidado para não perder o encanto. É como se as gavetas abrigassem cristais, finos, frágeis, que somente com muita delicadeza se pode tocar.
Resgato lembranças da infância, dos tempos idos, vividos intensamente, regidos pela inocência e ingenuidade. O afeto recebido dos meus avós, o carinho e a preocupação dos pais com o crescimento e educação dos filhos, os amigos, enfim, consigo vislumbrar a roda viva de uma família grande. As brincadeiras simples da época, sem mídia eletrônica, mas tão divertidas, criativas as quais forçavam a imaginação na busca da criação e da arte. Vivíamos num mundo bem diferente do atual. Poucos valores permaneceram na sociedade. Faço uma parada especial na minha adolescência de insegurança, medos, sonhos e amores platônicos. Esta foi uma fase bastante difícil, com mudanças efetivas no corpo, nas relações com o sexo oposto, quando se começa a enxergar o outro que passa a nos atrair. Daí, facilmente começa-se a sofrer por paixões não correspondidas. O receptáculo onde coloquei a juventude estava intacto. Os avanços, a compreensão do mundo e a profissão escolhida. A caminhada que persegui na busca do foco do que eu queria para a vida futura.
A idade adulta me deu a segurança que não tinha na adolescência o que acontece quase sempre com qualquer pessoa. A consciência da responsabilidade que passei a encarar.
Das gavetas não exalavam odores, mas os sabores e dissabores de um tempo quase esquecido. Revirei, remexi os espaços mais íngremes das gavetas para não escapar nenhuma recordação. Divaguei no silêncio e na contemplação, reorganizando pensamentos e, em seguida, fechando cada compartimento da alma numa atitude de respeito a um passado que continua a fazer parte da minha vida até hoje.
Volto à turbulência com o toque do maldito telefone. Atendo. Do outro lado da linha uma voz plena de felicidade avisa o nascimento de mais um sobrinho. Bendigo aquele chamado! Agora, o futuro está diante de mim para anunciar que o ciclo se renova, que o amor continua existir e vale a pena viver, sempre.
A MORTE DO GÊNIO DO HUMOR

O mês de março será sempre lembrado pelos cearenses. Além de, como de costume, reverenciar seu padroeiro São José, a partir de hoje, passam a lembrar de um grande cearense que ficou conhecido em todo país por sua inteligência, criatividade e humor.
A tarde do dia 23 de março se cobriu de tristeza em todo o Ceará, com o anúncio da morte do maior humorista do país – Chico Anysio. Nascido em Maranguape, região metropolitana de Fortaleza, mas ainda criança foi morar no Rio de Janeiro. Com capacidade inata e sensibilidade, tornou-se em poucos anos um apaixonado pelo rádio. Iniciou sua carreira como locutor e depois foi para a televisão e virou mito. Durante 60 anos esteve à frente de programas humorísticos, com os quais os brasileiros de norte a sul se divertiram e admiraram os seus inúmeros personagens criados com primazia por este artista.
Escritor, poeta, pintor, humorista, ator, compositor, enfim, mestre das artes. Depois de décadas trabalhando com afinco, disseminou a alegria e o riso fácil, através da TV, para toda a população brasileira. Com elegância, estilo próprio, seus personagens ganhavam vida com personalidade, atributos e características específicas. Não se tratava de caricatura, mas de homens e mulheres construídos e assemelhados a qualquer cidadão.
Seus tipos eram variados. Havia identificação deles com o povão, através dos bordões criados para cada um deles. Com senso crítico, sensibilidade, alegria e com uma dose de ironia mostravam a realidade do país, nos jargões, nas piadas e nos gestos deliciosamente bem compostos em cada representação. Sabia colocar as palavras na boca dos personagens criados na dose certa. Não extrapolava, não ia além do limite nas suas tiradas de inteligência ímpar.
Essa é uma perda irreparável de um artista tão completo e, conforme declaração dos amigos, generoso na partilha da amizade, fraterno e extremamente consciente de suas capacidades, não tinha orgulho e nem se achava o gênio que era. Procurava ajudar os colegas de todas as idades que tivessem talento. Foi o mestre de todas as gerações de humoristas do Brasil.
Havia naquele homem de alma nordestina algo diferente dos demais, próprio de sua índole e da sua gênese de homem simples, que gostava de servir o próximo. Os humoristas cearenses estão aí para comprovar que sempre tiveram o seu apoio e ajuda, no sul do país ou na terra de Iracema.
Lágrimas copiosas estão sendo derramadas por conterrâneos, amigos, admiradores, fãs com saudade e a certeza de que como ele mesmo revelou: “Nós os humoristas somos insubstituíveis”. Realmente ele tinha razão. Talvez daqui a um século não tenhamos um artista do seu quilate. Maranguape perdeu o seu mais ilustre filho! O Ceará está de luto. E porque não dizer que também o Brasil inteiro está órfão...
MARACATUS

Lembro-me da época de carnaval da minha infância. Próximo a nossa casa morava um integrante de uns dos maracatus, se não me engano, “Rei de Paus”. Os ensaios que antecediam o carnaval passavam pela rua. Parava em frente à residência do rapaz. Ele saía vestido a caráter, com roupas maravilhosas, uma vez que ele era a Rainha do referido Maracatu.
Os meus olhos de criança ficavam extasiados quando aquela rainha imensa entrava no bloco já dançando, naquele ritmo cadenciado dos maracatus. Era uma cena inesquecível. As fantasias volumosas e ricas em adereços. Homens pintados de tinta preta, com apenas os olhos descobertos e a boca, pintada de um vermelho escarlate. O rei e a rainha se destacavam com suas belíssimas coroas de pedras em diferentes cores, cravejadas num metal dourado.
Cada ala tinha suas respectivas peculiaridades. Cestos enormes com frutas enfeitavam a cabeça de alguns participantes. Outros traziam cachimbos na boca representando o preto velho geralmente por um casal já idoso. Havia também crianças que se vestiam com o figurino da agremiação. A música tinha característica própria, usava instrumentos musicais direcionados para produzir o ritmo desejado. Emitiam um som pausado com leveza, porém com certa melancolia. Os maracatus dançavam obedecendo a cadência. Faziam movimentos variados, rodopiavam com suas saias brancas, rendadas e longas. O espetáculo se repetia todos os anos.
A Av. Visconde do Rio Branco, pertinho da casa da rainha, ficava tomada por curiosos e também pelos amantes do carnaval. Assistíamos um teatro a céu aberto. O povo aplaudia com sorrisos largos, aprovando a beleza do bailado.
A origem dos maracatus remonta da África com a chegada dos escravos ao Brasil. Os negros cantavam e dançavam suas canções com a tristeza e a saudade que sentiam do país além mar. O nosso país acolheu os irmãos que junto com os portugueses deram início a diversidade de raças e costumes.
Na realidade, a cada ano relembro dos momentos prazerosos que passei na infância, quando me deliciava com aqueles maracatus que até hoje povoam minha memória.