sexta-feira, 12 de março de 2010

O ACASO


Evan Bessa


Tenho observado que a vida, muitas vezes, nos leva rumo ao acaso. Foi exatamente o que aconteceu num desses dias da semana. Estava numa fila para efetuar pagamento, quando depois de décadas você me aparece, de longe, feito uma alma penada. Percebo que desvia o olhar marcado pelo peso dos anos. Seu rosto revelava o sinal do tempo demonstrando claramente as marcas, os sabores e dissabores da vida levada até o momento. O olhar sem brilho se encontrava embaçado por trás de rugas renitentes.A tez de um bronzeado diferente, meio tostada, dando a ligeira impressão que o sol esteve impiedoso e curtiu sua pele de uma cor estranha, irreconhecível. A postura menos altiva, um pouco caída para frente, creio que a coluna já não está tão ereta como antes.Veio na minha cabeça, de imediato, a sua figura no passado. Quanta diferença!!! Quase não o reconheci. Parece até que foi virado pelo avesso, como diz a letra de Caetano Veloso: “ porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”.

Com essa analogia fico perguntando se minha percepção é real ou ilusória. O momento parece ter se eternizado, pois em poucos minutos, meu olhar fez uma leitura de informações preciosas e estranhas ao mesmo tempo. Fotografei com a luz do pensamento e da memória afetiva o seu estado d’alma e pude perceber que a paz e o amor pareciam matérias escassas no mercado da sua existência. Tälvez mercadorias mais preciosas estivessem ofuscando aquelas, no momento atual. Seus valores, possivelmente tenham mudado, a visão do mundo de hoje, com certeza, difere da de outrora e, por estas e outras, houve uma modificação física e interior tão impactante. O ser humano, às vezes, se deixa transparente aos olhos dos outros, e fica até difícil esconder o óbvio.

Por algumas horas vi o mundo parar diante de mim. Senti alívio quando o meu corpo inteiro se mexeu e o sangue pulsou inadvertidamente. Estava viva... Aquilo não tinha sido um sonho ou um pesadelo.

Mais uma vez, o acaso bate de frente comigo. Descobre os caminhos por onde ando, me espreita e segue na minha direção. Obedece um traçado irregular, em curvas fechadas, ora em travessias largas ou estreitas, mas não deixa de me perseguir. E, acaba me achando...

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