sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Açude do meu Pai

O Açude do meu Pai

Evan Gomes Bessa


Lembro-me, quando ainda criança, deixando o interior do Ceará para morar em Fortaleza. Nossos pais explicavam o motivo da mudança, pois minhas irmãs mais velhas precisavam continuar os estudos, estavam no internato das Irmãs Salesianas na Capital e as despesas eram grandes para um comerciante e fazendeiro que tinha grande prole. Naquele tempo o interior não dispunha de colégios com o ensino secundário, curso normal e muito menos, universidades. E, ainda por cima, os outros filhos iam precisar continuar os estudos, pois tínham entre dois a quatorze anos de idade. Por essa razão, deixava tudo prá trás em busca da educação dos filhos. Ninguém era capaz de entender muito bem essa mudança, mas acreditávamos no que eles diziam. Naquela época, os filhos eram muito ingênuos e sem maldade, acreditávamos em tudo que os pais nos diziam. Vínhamos de uma cidade pequena. Saíamos apenas para passar férias na casa dos avós ou para a Fazenda “Bonito”. Lá corríamos, tomávamos leite mugido, íamos aos açudes dentro da propriedade, nos divertíamos com a boiada chegando ao curral no final da tarde. As brincadeiras eram as mais banais. Á noite, ficávamos em volta de uma fogueira, ouvindo os moradores da fazenda cantar e tocar violas, violões ou acordeon. Assim se resumia nossa vidinha...Estudo e férias nas fazendas.

Quando chegamos à Fortaleza, papai se encarregou de nos mostrar a cidade: praças, vitrines das grandes lojas e magazines, o colégio das Dorotéias onde passaríamos a estudar, enfim, tudo que ele achava interessante. Nós não tínhamos vontade que não fosse à dele. Fomos educadas à moda antiga, com limites e obediência aos genitores. Não se questionava as ordens dos pais, cumpría-se rigorosamente, não é como hoje, quando os pais educam os filhos com total liberdade.

Uma certa tarde papai nos levou a um passeio inesquecível! Conhecer o Mar, a Praia.
Há pouco tempo saíamos do sertão central, seco, quente e com pouca água. Diante daquela imensidão, ficamos absortos, maravilhados, admirando tanta beleza! Nosso pai, observando o deslubramento em nossos olhos, virou-se para nós e disse com muita seriedade:

- Esse é o açude que comprei pra vocês.

Ficamos todos mudos diante de tal afirmação! Nosso pai sempre falava sério, não dizia inverdades. Acreditamos piamente nas suas palavras. Erámos bobos, ingênuos, inocentes e nem duvidávamos que não fosse verdade. Queríamos adentrar no mar para banhar nossa alma, molhar o nosso corpo de água salgada e sentir o sabor da felicidade...

Nesse instante, ele nos chamou atenção: Esperem um pouco, eu estava brincando!!! Isso aqui, não é um açude daqueles que temos na Fazenda: esse foi feito por Deus, por isso ele é tão grande, imenso. É um Oceano, com ondas brancas e barulhentas, onde navios, barcos e jangadas atravessam de um lado para outro, levando pessoas e mercadorias para outros lugares, países, ou simplesmente na busca de pescar o peixe. Usamos também para tomar banho, mas é perigoso para vocês que são crianças!!!
Nesse momento, passava à nossa frente um grupo de rapazes e moças em trajes de banho e ele, imediatamente, nos falou: Não olhem, baixem a cabeça. Com a observação feita sentimos curiosidade de olhar, mas o fizemos de “rabo de olho” para não desaboná-lo. Para um homem do interior de uma educação rígida, aquela cena não era permitida para os filhos, ainda pequenos. Para ele tudo deveria acontecer no tempo certo.
Agora pergunto eu? Qual seria o tempo certo para ele?
Meu pai era realmente como a maioria dos pais: protetores, ciumentos com suas crias, mas, por outro lado, amoroso e verdadeiro na partilha do afeto - um grande companheiro. Que saudade!!!

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