domingo, 29 de novembro de 2009

Relembrando a Mestra Tony Cals

Evan Bessa


Lembro-me que na década e noventa, a Secretaria de Educação do Município de Fortaleza passou por um período de inquietação e questionamentos no que tange às mudanças relativas à área pedagógica. Foi durante essa travessia que se repensou teorias, conceitos, métodos, técnicas e estratégias de ensino, visando uma direção mais dinâmica e atual do fazer pedagógico, de modo a atingir com eficiência um padrão de ensino mais eficiente para o público alvo: educadores e educandos. Precisava-se de algúem com credibilidade suficiente para “girar o caldeirão em ebulição,” encontrar caminhos que viessem satisfazer às demandas, as quais andavam à deriva. Surge um nome apontado pela própria equipe central: Tony Cals, para coordenar os trabalhos da construção de uma Proposta Curricular nas diversas modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. O salto que se queria dar era bastante ousado. D. Tony tinha em seu currículo experiências exitosas, quando esteve no comando desta Secretaria, na TV Educativa, Funefor ( hoje IMPARH), e como delegada do MEC. Portanto, a educadora certa para conduzir um trabalho de tanta relevância. Na realidade, ela trouxe na sua bagagem uma perspectiva inovadora de educação e um olhar voltado para os novos desafios que iam surgir. Assim, com os olhos voltados para o futuro, essa mulher extraordinária aceitou o intento, com a coragem de uma guerreira que se dispunha a partilhar com técnicos, especialistas das áreas de ensino, saberes e experiências para a elaboração das Propostas Curriculares do Município de Fortaleza. O trabalho iniciou com um diagnóstico, através de uma pesquisa de campo, onde técnicos foram à base para levantar dados, colher material e sugestões dos envolvidos no processo de ensino: professores, supervisores, diretores, enfim, os verdadeiros condutores da prática pedagógica em sala de aula. A etapa seguinte consistia na análise dos dados obtidos por disciplina, onde, com a parceria dos professores da UFC, ia se delineando o roteiro de trabalho e o desenho da construção a ser edificada. Concomitantemente, D. Tony se reunia com os técnicos da equipe central chamando atenção para se oferecer uma unidade nas Propostas, tendo, para tanto, definido junto com o grupo, princípios que norteariam as discussões na feitura da Proposta. Com o conhecimento que lhe era peculiar, e na simplicidade de Mestra, delineou-se como ponto de partida:
-visão humanística que deveria permear todo o contexto e conteúdos definidos;
-visão holística na medida em que se pudesse perceber a singularidade e pluralidade dos conteúdos ;
-flexibilidade no sentido de não criar algemas para professores, mas que desse condições para recriar algo;
-interdisciplinariedade criando a possibilidade do entrelaçamento das disciplinas e áreas do currículo, de maneira a intervir, juntando teoria e prática nos momentos de aprendizagem;
-concepção construtivista no sentido de uma metodologia mais participativa, onde alunos buscam a aprendizagem contando com a orientação e vigilância do professor na ação cotidiana de sala de aula;
Estes e outros princípios foram associados à filosofia do trabalho que se estenderia por meses e anos. D. Tony fazia reuniões frequentes com os grupos da Secretaria, por disciplina, para garantir a unidade dos princípios e filosofia que embasava os estudos. O trabalho foi pesado, porém muito rico, uma vez que estimulou os educadores a buscarem rumos diferentes para inovar o dia-a-dia, na sua prática.
A construção das Propostas mencionadas anteriormente teve início em 1992, atravessou 1993, tendo a sua impressão definitiva em 1995.
D. Tony essa educadora de visão de futuro e de uma disponibilidade a toda a prova deu um passo importante com a equipe na direção da modernidade. Sua atuação impecável em todas as fases deu a ela, plena condição de acompanhar e coordenar todo o trabalho. Sua vida foi sempre pautada no magistério e com vocação nata para resolver problemas e encontrar soluções viáveis, deu uma enorme contribuição à Educação Municipal. Até então não havia nada oficial em termos de proposta para encaminhar aos professores das escolas. Eles definiam roteiros programáticos, a partir dos livros das disciplinas para planejar suas aulas. Não havia unidade entre o planejamento das escolas, que permitisse maior definição dos conteúdos nos planos elaborados nas unidades escolares. A Proposta, após ser distribuídas e devidamente apresentada em treinamento com os professores, trouxe mais segurança aos mestres.
A Secretaria de Educação do Município enviou posteriormente para o MEC, a fim de análise e subsídio para os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs. Dentre tantas propostas analisadas dos Estados brasileiros, a do Município de Fortaleza foi considerada uma das melhores. Isto gratificou, sobremaneira, os agentes envolvidos nessa caminhada de ousadia e compromisso com a educação de Fortaleza.
O mérito foi de todos os educadores, especialmente da D. Tony, que soube com sabedoria aceitar o desafio e desenhar um novo horizonte para o ensino do Município de Fortaleza. Obrigada, Mestra!
O Açude do meu Pai

Evan Gomes Bessa


Lembro-me, quando ainda criança, deixando o interior do Ceará para morar em Fortaleza. Nossos pais explicavam o motivo da mudança, pois minhas irmãs mais velhas precisavam continuar os estudos, estavam no internato das Irmãs Salesianas na Capital e as despesas eram grandes para um comerciante e fazendeiro que tinha grande prole. Naquele tempo o interior não dispunha de colégios com o ensino secundário, curso normal e muito menos, universidades. E, ainda por cima, os outros filhos iam precisar continuar os estudos, pois tínham entre dois a quatorze anos de idade. Por essa razão, deixava tudo prá trás em busca da educação dos filhos. Ninguém era capaz de entender muito bem essa mudança, mas acreditávamos no que eles diziam. Naquela época, os filhos eram muito ingênuos e sem maldade, acreditávamos em tudo que os pais nos diziam. Vínhamos de uma cidade pequena. Saíamos apenas para passar férias na casa dos avós ou para a Fazenda “Bonito”. Lá corríamos, tomávamos leite mugido, íamos aos açudes dentro da propriedade, nos divertíamos com a boiada chegando ao curral no final da tarde. As brincadeiras eram as mais banais. Á noite, ficávamos em volta de uma fogueira, ouvindo os moradores da fazenda cantar e tocar violas, violões ou acordeon. Assim se resumia nossa vidinha...Estudo e férias nas fazendas.

Quando chegamos à Fortaleza, papai se encarregou de nos mostrar a cidade: praças, vitrines das grandes lojas e magazines, o colégio das Dorotéias onde passaríamos a estudar, enfim, tudo que ele achava interessante. Nós não tínhamos vontade que não fosse à dele. Fomos educadas à moda antiga, com limites e obediência aos genitores. Não se questionava as ordens dos pais, cumpría-se rigorosamente, não é como hoje, quando os pais educam os filhos com total liberdade.

Uma certa tarde papai nos levou a um passeio inesquecível! Conhecer o Mar, a Praia.
Há pouco tempo saíamos do sertão central, seco, quente e com pouca água. Diante daquela imensidão, ficamos absortos, maravilhados, admirando tanta beleza! Nosso pai, observando o deslubramento em nossos olhos, virou-se para nós e disse com muita seriedade:

- Esse é o açude que comprei pra vocês.

Ficamos todos mudos diante de tal afirmação! Nosso pai sempre falava sério, não dizia inverdades. Acreditamos piamente nas suas palavras. Erámos bobos, ingênuos, inocentes e nem duvidávamos que não fosse verdade. Queríamos adentrar no mar para banhar nossa alma, molhar o nosso corpo de água salgada e sentir o sabor da felicidade...

Nesse instante, ele nos chamou atenção: Esperem um pouco, eu estava brincando!!! Isso aqui, não é um açude daqueles que temos na Fazenda: esse foi feito por Deus, por isso ele é tão grande, imenso. É um Oceano, com ondas brancas e barulhentas, onde navios, barcos e jangadas atravessam de um lado para outro, levando pessoas e mercadorias para outros lugares, países, ou simplesmente na busca de pescar o peixe. Usamos também para tomar banho, mas é perigoso para vocês que são crianças!!!
Nesse momento, passava à nossa frente um grupo de rapazes e moças em trajes de banho e ele, imediatamente, nos falou: Não olhem, baixem a cabeça. Com a observação feita sentimos curiosidade de olhar, mas o fizemos de “rabo de olho” para não desaboná-lo. Para um homem do interior de uma educação rígida, aquela cena não era permitida para os filhos, ainda pequenos. Para ele tudo deveria acontecer no tempo certo.
Agora pergunto eu? Qual seria o tempo certo para ele?
Meu pai era realmente como a maioria dos pais: protetores, ciumentos com suas crias, mas, por outro lado, amoroso e verdadeiro na partilha do afeto - um grande companheiro. Que saudade!!!
NOITE SILENCIOSA

Evan Bessa


Sozinha neste gabinete penso em escrever um pouco. O silêncio da noite convida-me a reflexão...
Há tantas coisas que chegam à cabeça! Por um momento, páro e deixo o pensamento voar como pássaros alçando vôos aos píncaros das montanhas. As imagens ainda embaçadas evoluem em ritmo lento e dançam a vagar pela memória afetiva.

Sinto o pulsar do coração acelerado à medida que as idéias fluem com mais clareza. Seria esta a linguagem objetiva do coração? Fico escutando o batimento cardíaco na tentativa de entender melhor a fala que ele quer me passar. Que coisa esquisita essa minha atitude?

O certo, é que estou aqui frente a lembranças, perdida com fatos que não têm mais o mesmo significado de outrora. Vivo em outro contexto, outra realidade!

Ah o tempo! O tempo que escorre diante de mim, deixou marcas acentuadas no meu ser: na pele, sulcos profundos; no coração, a taquicardia sempre que vem à tona, com as recordações do passado; no cérebro, tal qual o meu computador, por vezes, se nega a deletar passagens adormecidas anos a fio, guardadas a sete chaves na memória. Por que tão bem escondidas no consciente ou inconsciente teimam a aparecer de uma hora para outra?

O som da tv ligada me tira a concentração e rapidamente fixo meus olhos na telinha. Vejo imagens deslumbrantes! Uma praia com areias finas e um mar de ondas agitadas com águas em volúpia. Parecem querer partilhar comigo a ânsia que toma o corpo inteiro e me deixa em convulsões.

Seguro-me por alguns instantes procurando ser mais racional e objetiva. Por que nós mulheres somos tão vulneráveis emocionalmente?

Contudo os pensamentos preenchem todos os espaços da mente e retorno a um estado de embevecimento. Passo a olhar as estrelas que cobrem o céu azul, pelo vidro da janela que dá para o jardim, imaginando, agora, aquele mar com ondas branquinhas, cheio de espumas a banhar-me em suas águas frias, resgatando-me dessa agonia aterrorizante.

Num impulso, ergo-me da cadeira e deixo a luz atravessar o vidro a minha frente, iluminar a razão, reencontrar o meu ponto de equilíbrio para que o tal delírio se transforme em atitudes firmes e mais condizentes, com o momento presente.

Após segundos, já me sinto conectada com a realidade do hoje. Tenho o destino nas minhas mãos, senhora de mim mesma, responsável pelos meus atos, no entanto, em permanentes estágios de contradição entre o presente e futuro, com recaídas num passado longínquo que põe o pé no meu caminho, como qualquer ser humano.

Noite Silenciosa

NOITE SILENCIOSA

Evan Bessa


Sozinha neste gabinete penso em escrever um pouco. O silêncio da noite convida-me a reflexão...
Há tantas coisas que chegam à cabeça! Por um momento, páro e deixo o pensamento voar como pássaros alçando vôos aos píncaros das montanhas. As imagens ainda embaçadas evoluem em ritmo lento e dançam a vagar pela memória afetiva.

Sinto o pulsar do coração acelerado à medida que as idéias fluem com mais clareza. Seria esta a linguagem objetiva do coração? Fico escutando o batimento cardíaco na tentativa de entender melhor a fala que ele quer me passar. Que coisa esquisita essa minha atitude?

O certo, é que estou aqui frente a lembranças, perdida com fatos que não têm mais o mesmo significado de outrora. Vivo em outro contexto, outra realidade!

Ah o tempo! O tempo que escorre diante de mim, deixou marcas acentuadas no meu ser: na pele, sulcos profundos; no coração, a taquicardia sempre que vem à tona, com as recordações do passado; no cérebro, tal qual o meu computador, por vezes, se nega a deletar passagens adormecidas anos a fio, guardadas a sete chaves na memória. Por que tão bem escondidas no consciente ou inconsciente teimam a aparecer de uma hora para outra?

O som da tv ligada me tira a concentração e rapidamente fixo meus olhos na telinha. Vejo imagens deslumbrantes! Uma praia com areias finas e um mar de ondas agitadas com águas em volúpia. Parecem querer partilhar comigo a ânsia que toma o corpo inteiro e me deixa em convulsões.

Seguro-me por alguns instantes procurando ser mais racional e objetiva. Por que nós mulheres somos tão vulneráveis emocionalmente?

Contudo os pensamentos preenchem todos os espaços da mente e retorno a um estado de embevecimento. Passo a olhar as estrelas que cobrem o céu azul, pelo vidro da janela que dá para o jardim, imaginando, agora, aquele mar com ondas branquinhas, cheio de espumas a banhar-me em suas águas frias, resgatando-me dessa agonia aterrorizante.

Num impulso, ergo-me da cadeira e deixo a luz atravessar o vidro a minha frente, iluminar a razão, reencontrar o meu ponto de equilíbrio para que o tal delírio se transforme em atitudes firmes e mais condizentes, com o momento presente.

Após segundos, já me sinto conectada com a realidade do hoje. Tenho o destino nas minhas mãos, senhora de mim mesma, responsável pelos meus atos, no entanto, em permanentes estágios de contradição entre o presente e futuro, com recaídas num passado longínquo que põe o pé no meu caminho, como qualquer ser humano.